Maira Parula nasceu em Porto Alegre, RS. 
Criou-se no Rio de Janeiro.
Mora longe.



Formação


Graduação em Letras (línguas portuguesa e inglesa, literatura brasileira e literaturas de língua inglesa) pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Formação completa em língua e literaturas de língua inglesa, Curso Oxford, RJ. 

Curso livre de Filosofia, Núcleo de Estudos e Pesquisas, Funarte, RJ. 

Curso livre de Projeto e Produção Gráfica na Faculdade da Cidade, RJ.
 
Curso livre de Informática.



Atividades profissionais: cronologia 


Tradutora de livros didáticos de engenharia de aviação para a Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial, RJ.

Professora de língua e literaturas de língua inglesa para vestibulandos.

Pesquisadora literária autônoma para autores acadêmicos. 


Revisora e parecerista de texto literário da Editora Expressão e Cultura do Rio de Janeiro, sob supervisão editorial do poeta, tradutor e crítico literário Ivan Junqueira.

Resenhista literária para o jornal O Globo e para o caderno de cultura do Jornal do Brasil.

Revisora de obras jurídicas acadêmicas da Editora Forense, RJ.

Revisora da Editora Forense Universitária, RJ. 

Chefe do Departamento de Revisão da Editora Forense, RJ.

Editora de textos de ficção, não ficção e técnicos (Psicanálise) da Imago Editora, RJ.  

Editora freelancer de textos para a revista História, Ciências, Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Manguinhos-RJ).

Editora freelancer de textos de ficção, não ficção e técnicos para as editoras Rocco, Record, Campus-Elsevier, Ediouro Publicações, José Olympio, Zahar, Intrínseca, Editora 34, Globo Livros, entre outras. 

Tradutora autônoma para o mercado editorial.

Contato: mairaparula@hotmail.com




Publicações/ atividades: 


Antes do surgimento da internet, publicou textos de sua autoria em várias antologias coletivas, jornais e revistas de poesia e cultura independentes, como coeditora e/ou colaboradora. 

A partir do ano 2000 colabora com diversos sites literários e em abril de 2002 cria o seu próprio blog de literatura e arte Prosa Caótica  para publicar e divulgar seus textos, e principalmente os de autores nacionais e estrangeiros conhecidos, desconhecidos, esquecidos, descatalogados e inéditos, além de suas próprias traduções de poetas estrangeiros. 

Em 2005, participa da antologia de contos Blog de Papel publicada pela Ed. Gênese, São Paulo, que reúne escritores blogueiros. 


Em 2006, seu primeiro livro solo, Não feche seus olhos esta noite, é publicado pela Editora Rocco, RJ.  Neste mesmo ano cria seu blog autoral para publicação exclusiva de seus poemas, contos, videopoemas, experimentações, traduções etc.  

Em setembro de 2007 seu blog Prosa Caótica foi selecionado para participar da Exposição Blooks -- Tribos & Letras na Rede, no espaço Oi Futuro, Rio de Janeiro, evento coordenado pela professora, ensaísta, editora e crítica literária Heloísa Teixeira a.k.a. Heloísa Buarque de Hollanda.

Em novembro de 2011, juntamente com as videoprodutoras Eliane Garcia e Isabel Wyler De Nonno, sua poesia é premiada no concurso internacional de Poesia ao Vídeo da VII Fliporto, em Olinda. 


Em 2012 é convidada a fazer parte da equipe original de lançamento da revista eletrônica de poesia e arte contemporâneas Mallarmargens onde publicava seu trabalho. Neste mesmo ano textos seus são publicados no suplemento literário do site Germina, revista on-line de literatura. Colabora com a Plumagenz, empresa de Criação Cultural & Design.

Em 2013, tem um conto seu traduzido e publicado pelo site norte-americano Contemporary Brazilian Short Stories (CBSS). Colabora com a Revista Rosa, de arte e literatura queer. 


Em 2014, a Editora Word Awareness, da Califórnia, publica um conto seu na antologia Contemporary Brazilian Short Stories, vol. 2. 

Em 2015, colabora com o Jornal RelevO, de Curitiba.

Em 2016, colabora com a revista Flanzine, nr. 11-Língua, de Lisboa.

Em 2020, colabora com a revista on-line Poesia Avulsa. 

Textos seus estão espalhados pela rede em blogs, sites, videopoemas no YouTube voltados para a literatura.

 
Publica seus textos regularmente aqui e aqui.


Traduções:


Maira é tradutora, editora de texto e redatora para o mercado editorial. 

Como tradutora destacam-se as primeiras edições no Brasil dos autores: Bret Easton Ellis (Lunar Park), Irvine Welsh (Revelações picantes dos grandes chefs), Gary Shteyngart (Absurdistão), Eli Gottlieb (O homem que você vai ver), Aleksandar Hemon (O projeto Lazarus / Como eu escrevi as guerras zumbi), Noam Chomsky (O governo no futuro), John Grisham (5 livros), Nick Laird (O erro de Glover), Josh Bazell (Por sua conta e risco), Emma Forrest (Sua voz dentro de mim), Alissa Nutting (Tampa), Cilla & Rolf Börjling (Terceira voz ), Luke Delaney (Brutal ), Etgar Keret (Sete anos bons ), Iain Reid (O intruso /  Nós nos espalhamos), Fredrik Backman (Britt-Marie esteve aqui / Gente ansiosa), Ben Lerner (10:04 / Topeka School ), Pete Townshend (A era da ansiedade), Caroline Kepnes (Você me ama), Emma Brodie (Canções em Ursa Maior), Margaret Atwood (Colchão de pedra: nove contos perversos /  Alvos em movimento: uma coletânea de trajetórias: 1982-2004 /  Questões incendiárias: Ensaios e outros escritos de 2004 a 2021 ) , entre outros.



Como editora de texto para publicação no Brasil, revisou traduções e/ou preparou originais dos seguintes autores a destacar: Thomas Bernhard (O sobrinho de Wittgenstein, ed. Rocco), Gore Vidal (Kalki Império /Palimpsesto: memórias / Duluth / A era dourada / Washington D.C., entre outros, ed. Rocco), Paul Bowles (O céu que nos protege / Que venha a tempestade, Rocco), Wilfred Bion (Introdução a "Uma Memória do Futuro", ed. Imago), Sigmund Freud ("Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", 2a. edição, Imago), James P. Womack (A máquina que mudou o mundo), Félix Guattari (Caosmose: Um novo paradigma estético, Editora 34), Marion Zimmer Bradley, Anne Rice (A hora das bruxas, vols. I e II / A rainha dos condenados / Lasher / Taltos /, entre outros, ed. Rocco), A. Scott Berg (Max Perkins, um editor de gênios, ed. Intrínseca), Julia Kristeva (Estrangeiros para nós mesmos, Rocco), Dirce Côrtes Riedel (Narrativa, Ficção e História, ed. Imago), Noah Gordon, Nadine Gordimer (O gesto essencial), Kurt Vonnegut (Timequake, Rocco), John Dos Passos (O grande capital, Rocco), Irvine Welsh (5 livros, ed. Rocco), Nick Hornby (vários, Rocco), Michael Crichton (vários, Rocco), John Gray (Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus), Robert Greene (As 48 leis do poder, ed. Rocco), Martin Amis (Grana / Campos de Londres, Rocco), Richard Price, Robert Ludlum, Nelson Mandela (Conversas que tive comigo, Rocco ), Hillary Clinton (Escolhas difíceis, Globo Livros), Elmore Leonard (Cuba libre / Ponche de rum / Jackie Brown, entre outros, Rocco), Quentin Tarantino (Pulp Fiction, Rocco), Jeffrey Eugenides (As virgens suicidas / Middlesex, Rocco), Amy Tan, Rick Stack, Susan Faludi (Backlash / Domados), Susan Forward, Elizabeth Ann Kaplan (A mulher e o cinema, Rocco), Naomi Wolf (Promiscuidades: a luta para ser mulher, ed. Rocco), Bret Easton Ellis (4 livros, ed. Rocco), Gary Shteyngart, Rick Moody (vários, ed. Rocco), Dave Eggers, John Berger, Josh Bazell, Tibor Fischer, Joshua Ferris, Ruth Harris (Assassinato e loucura, ed. Rocco), Orlando Figes (Uma história cultural da Rússia, Record), Margaret Atwood (O assassino cego / MaddAddam / Oryx e Crake, ed. Rocco), Sarah Waters (Os hóspedes), J.C. Hough & K.C. Alexander (Mass Effect Andromeda), Clarissa Pinkola Estés (Mulheres que correm com os lobos, Rocco), David Eagleman (Incógnito: As vidas secretas do cérebro), Diana Gabaldon (vários volumes da série Outlander, Rocco), Toby Clements, Tom Wolfe (vários, ed. Rocco), Ian McEwan (Cães negros / Amsterdam / Amor para sempre, Rocco), Ben H. Winters (Underground Airlines), Gross & Altman (50 anos de Jornada nas Estrelas,  Globo Livros), Julian Barnes (O sentido de um fim / A única história, ed. Rocco ), J.K.Rowling com pseudônimo Robert Galbraith (O bicho-da-seda / Vocação para o mal  / Branco letal,  ed. Rocco), entre muitos outros autores.










Sobre Não feche seus olhos esta noite

La escritura es fuerte y lírica. La vida, sórdida. La locura está cerca. Y el personage ronda el abismo, buscando un equilibrio cojo entre el todo y la nada. Nunca más ser. Nunca más despertar. Nunca más ver la realidad mezquina. Casi podrida. Personas que no arden, emociones que no queman, acidez que no hiere. Y la vida que a pesar de todo renace en la extraña capacidad que todavía se tiene de soñar. La opera prima de Maira Parula es para quien tiene el coraje de ser visceral, acepta las reglas del juego incluso ignorándolas, no teme la fiebre, la sinceridad sin tapujos, y se lanza al vacío sin susto, sin medias tintas. Con el alma lista para el corte. Que está allí, en cada página, en cada llama, en cada palabra que hiere, pero cura. Aunque sea en el absoluto susto.

Cerlalc, Madri.

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Contemporâneos, de Beatriz Resende, discute as vozes múltiplas 
da atual ficção brasileira, presa a uma imobilidade trágica

Francisco Quinteiro Pires 

para O Estado de S. Paulo
2008

Beatriz Resende não tem medo de se queimar com o calor da hora. O que ela faz assusta os mais sensíveis e desperta o riso dos incrédulos: prefere caminhar nas brasas do presente, enquanto a crítica literária nacional afunda os pés nas cinzas do passado. "O cânone é mais seguro", diz. Apesar de ter consciência sobre essa segurança dos clássicos, Beatriz corre o risco do erro e experimenta uma "sensação de nudez" em Contemporâneos: Expressões da Literatura Brasileira no Século XXI, um dos primeiros estudos feitos por um especialista conceituado sobre os novos escritores.


Contemporâneos: Expressões da Literatura Brasileira no Século XXI (Casa da Palavra, 176 págs., 2008, RJ) constata que a nova literatura brasileira vive a era da multiplicidade: são diferentes expressões de subjetividades. "É o dar voz a novas vozes." Mas existe um traço de união entre os novos escritores: a tragédia. Segundo Beatriz Resende, a tragédia substituiu o drama do século passado. "Com o drama, existe a negociação de uma saída", diz. "Na tragédia, a esperança não existe."

Beatriz Resende classifica Bernardo Carvalho, autor de Nove Noites, como o autor-sintoma da atual literatura. Na obra de Carvalho, a ficção manifesta o "trágico radical". "Sua obra apresenta um profundo sentido político: ela faz a defesa intransigente do ficcional."

O retorno da tragédia, segundo Beatriz, pode resultar em duas situações: na imobilidade ou no desejo profanador. Imobilizado, o escritor mergulha na amargura. Sua alternativa é profanar. Desejo profanador é uma expressão emprestada do filósofo italiano Giorgio Agamben. "Toda obra de arte, para ser importante, tem de ser profanadora, o perigo maior a que um artista pode se expor é a conciliação", explica. O escritor precisa se apropriar do sagrado ou do canônico para provocar a inovação. Os ficcionistas brasileiros atuais, segundo Beatriz, não têm medo de referências, que são incorporadas. "Joca Terron se apropria de modelos e os profana em sua literatura."

Bernardo Carvalho e Joca Reiners Terron, autor de Curva de Rio Sujo, são algumas das apostas de Beatriz Resende, pesquisadora da UFRJ, em Contemporâneos. As outras são Cecília Gianetti (Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi), Paloma Vidal (A duas mãos), Santiago Nazarian (Mastigando humanos), Luiz Schwarcz (Discurso sobre o capim), Daniel Galera (Mãos de cavalo), Maira Parula (Não feche seus olhos esta noite) e Ana Paula Maia (A guerra dos bastardos).


Além da multiplicidade de vozes, as obras contemporâneas são marcadas pela presentificação e a violência urbana. "Presentificação é diferente do afã pelo novo, que é modernista." A novidade pela novidade é substituída pelo duro trabalho ficcional com a força esmagadora do presente. "O presente é ameaçador, achata o escritor, que pode ficar acorrentado ao real." A presentificação não pode ser confundida com imediatismo. Para Beatriz, das várias narrativas sobre violência, um dos sintomas do foco sobre o presente, vai surgir a brecha da inovação.

Em uma das passagens de Contemporâneos, Beatriz cita Flaubert - ele afirmava ser o mergulho na literatura a única forma de suportar a existência. A entrega literária é como uma "orgia perpétua". Além de acreditar nessa função, Beatriz Resende sabe que, no fim, é melhor mostrar a cicatriz das brasas do presente do que os pés sujos pelas cinzas do passado.


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A poética virtual de Maira Parula

Beatriz Resende
para o caderno Prosa & Verso, de O Globo
e em seu livro Contemporâneos: expressões da literatura brasileira no século XXI



Bem escolhido o título do primeiro livro publicado -- sob forma palpável, folheável -- de Maira Parula: Não feche seus olhos esta noite. Enfatizo a materialidade da publicação porque, desde 2002, Maira coloca seus textos, regularmente, no site de literatura que mantém, Prosa Caótica.
O volume reúne alguma poesia e narrativas curtas, todas fortes, muito fortes e difíceis de serem classificadas, o que, a meu ver, já é um mérito. José Castello, na orelha, diz tratar-se de um livro "trans- o que combina com nosso mundo efêmero, de transgênicos, de transnacionais, de transexuais".

Múltiplo, intrigante, "trans", o livro se faz, sobretudo, por negações, inclusive de características que pudessem dar forma a um narrador comum a todos os impactantes textos que, curiosamente, nos fazem desviar o olho direito do soco que se aproxima para, logo em seguida, oferecermos o esquerdo.
A primeira curiosidade que não pude deixar de observar é a presença do humor, ainda que quase sempre humor negro, nos textos de Maira. Mesmo deixando de lado os critérios classificatórios -- que também não são tão graves assim e podem ajudar, desde que os ponhamos sempre, de saída, sob suspeita --, ficamos sabendo que são textos de uma autora mulher. A autora lembra isto ao leitor, várias vezes, no correr do livro. Ora, o mais raro na literatura praticada por mulheres é o humor. Apreciemos as inúmeras qualidades das obras de uma Clarice Lispector, da Rachel de Queiroz, ou de Simone de Beauvoir e a genial Virginia Woolf. Vamos nos deleitar, mas no máximo ergueremos as pontas laterais dos lábios. Não foi para fazer ninguém sorrir que nossas escritoras publicaram. Às vezes penso: também, mulher vai rir de quê? Entre nós, no Brasil, talvez quem altere esta característica em comum seja Ana Cristina Cesar, com sua forte ironia -- autoironia, inclusive -- e a dessacralização da poesia. Se minha observação for mesmo válida até o modernismo -- certamente nem todos vão concordar --, em algumas de nossas contemporâneas, jovens ou não tão jovens começa a ser contrariada.
O humor perverso de Maira mistura-se em geral ao absurdo, outro aspecto pouco frequente em nossa literatura, seduzida pelo realismo. É assim no fragmento onde a narradora decide preparar uns bifes, o sangue da carne respinga nos pés descalços e logo mistura-se ao do próprio dedo cortado: "Alguém tocou a campainha e tive um sobressalto, levando a faca a enterrar-se na carne até encontrar a pia. Não sem antes provocar-me um corte profundo no dedo médio, que de médio passou a mínimo". Após uma passagem decididamente escatológica pelo banheiro, "o curativo virou uma mousse de carne crua" e, de volta ao fogão, "a cozinha não havia mais. As labaredas tomavam conta de tudo. Antes que as chamas tomassem conta da sala, peguei minha bolsa e saí. Não seria eu que veria o circo pegar fogo".
O absurdo cruel torna-se por vezes uma forma de a narradora se olhar, analisar-se, descrever-se, como a mulher que peida -- "peido pela manhã, à tardinha e à noite" (...) como se meus flatos tivessem mais urgência que eu em cumprir seu próprio destino", aquela que já está enterrada, "Até que afinal morri e não me avisaram, temendo minha reação", ou ainda a garota de 12 anos que um dia acorda gorda e peluda, pega uma gilete e corta tudo: pelos e pele. O tom escolhido pela escritora é definido quando diz, em um fragmento curto: "Hoje adoço minha vodca com pólvora".

Ainda que predominando uma escrita pop, com referências aos ícones da cultura midiática mescladas a citações ou paródias literárias, há no livro uma recorrência dolorida às perdas, à imagem da mãe morta, à inutilidade do cotidiano.
Como em toda literatura postada em blogs, o eu conduz a escrita e espaço/tempo se neutralizam. A dominância claustrofóbica é raras vezes rompida, o que faz com que o súbito aparecimento de Copacabana seja uma surpresa agradável em dois ótimos textos, especialmente aquele em que a narradora atravessa ruas decadentes do bairro, procura mendigos de outros tempos na porta do Roxy, "gringos, putas e pivetes, a temperatura da avenida Atlântica".

Ao chegarmos ao final do volume, diante do que talvez seja o melhor de todos os textos, a reflexão raivosa sobre literatura e uma "outra" escritora que deve ser assassinada "antes que ela assine o meu nome em suas páginas eu vou matá-la e dar por encerrada esta história", surge no leitor uma espécie de frustração. Como se o excesso de coragem demonstrado pela autora esbarrasse numa falta de coragem de enfrentar o fôlego mais longo. No entanto, talvez não seja da necessidade de narrativas de maior continuidade que se trate, mas sim de uma espécie de inadequação entre a obra e seu suporte. É evidente que Não feche seus olhos esta noite se sustenta como livro, que editá-lo em papel foi importante. No site, Maira Parula explica que o livro contém inéditos além de textos já publicados no blog e comenta: "no formato do livro, no critério de seleção e organização, eles ganharam novo sentido, tiveram um novo caminho". Fica, porém, evidente que os textos são tributários de seu suporte inicial, a internet, e o fôlego de leitura solicitado ao leitor é aquele de quem está diante da tela do computador. Se no conto escrito para ser publicado em livro já era preciso haver a "vitória por nocaute", no blog o espaço e o tempo destinados a cada texto são ainda menores.
De há muito vemos as Artes Plásticas não só sobreviverem à ruptura com o suporte tela ou papel, mas renovar-se a partir daí sem com isso recusar a possibilidade de existência nas formas tradicionais. Já vimos também a superação da necessidade de permanecer, de ficar para ser avaliado pelo tempo, pelas instalações e pelas performances. O Teatro não precisa mais, há bastante tempo, do palco ou do edifício teatro como suporte das artes cênicas.
Um dos muitos méritos do livro de Maira Parula é, por caminhos transversos talvez, nos levar a discutir de uma forma nova, menos preconceituosa, mais aberta, o que poderia ser, em alguns casos, o rompimento do texto literário com o suporte papel, sem que isso signifique, forçosamente, a negação do literário. O mundo gira, a Lusitana roda, e talvez não seja mesmo impossível a existência do que venho chamando de literatura sem papel.

Que me perdoem nossos valentes editores.


Beatriz Resende é crítica e professora da Escola de Teatro da UNI-Rio.
(https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/nao-feche-seus-olhos-esta-noite-de-maira-parula-45548.html)



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A literatura como sombra

Em seu extraordinário livro de estreia, 
Maira Parula compõe uma ficção escorregadia e lúdica


André de Leones
Especial para o Diário de Cuiabá


A primeira coisa bacana sobre o livro de estreia de Maira Parula, Não feche seus olhos esta noite (Rocco), é que, bem, ele não se parece com nada, com nenhum outro livro. É único. Maira parece mesmo ter desenvolvido um estilo todo dela a ponto de implodir todas e quaisquer possíveis ascendências. Se a autora sofre de alguma “angústia da influência”, guardou para si.

A segunda coisa bacana (neste caso, bem entendido) é que a ficção de Maira Parula não tem compromisso com a linearidade. Tudo nela é escorregadio. A protagonista se transforma, é alguém diferente a cada passagem. A cada instante, o próprio livro se transforma. Prosa, poesia. Como em relação a um filme de David Lynch, a melhor coisa a fazer é relaxar, esquecer a obrigação de que tudo tem que fazer sentido (porque não tem) e aproveitar a viagem. É muito bom não ter que explicar nada.

Num livro em que noites transcorrem como um século e todos preenchem os espaços como podem, a imperfeição é cortejada porque não há nada além dela. Mesmo a metalinguagem está ali pelos desvãos, quase que acidentalmente (mas nunca acidentalmente, claro), às vezes como piada (página 143: “’O primeiro parágrafo de tudo é como um iceberg. Quem tem medo contorna. Quem tem pressa afunda.’”). Logo, Não feche seus olhos esta noite é um livro que se descola da própria literatura e passa a tratá-la como sombra.


Tal processo de descolamento deve ser percebido não como um vanguardismo mais ou menos estéril (até porque as vanguardas estão muito velhas ou apenas mortas), mas, sim, como a expressão de uma, por assim dizer, criatividade visceral que anima o livro todo e produz passagens brilhantemente sardônicas e autoconscientes como esta, na página 11: “também é verdade que os leitores estão ficando cada vez mais educados e inteligentes na mesma medida em que os cães vão aprendendo a atravessar as ruas agitadas de uma cidade grande.”



O caos narrativo desenhado por Maira Parula, por não ser repetitivo e por não pretender reinventar a roda, é coloridíssimo, instigante e, sim, divertido. Nesse sentido, Não feche seus olhos esta noite é produto de uma originalidade que nunca chateia o leitor porque é lúdica, rascante e dotada de uma melancolia bastante viva, dessas que riem chorando e vice-versa.






À espera da peneira do tempo

José Castello
para o Valor Econômico



Quatro lançamentos ajudam a entrever alguns rumos para a literatura brasileira no século XXI. Projetos prudentes, gerados mais pela cautela -- como quando se caminha no escuro -- do que pela aposta firme em uma voz pessoal. Entre as quatro novidades, há, na verdade, uma interessante exceção: Não feche seus olhos esta noite (Rocco), o enigmático e imprudente livro de estreia da poeta gaúcha Maira Parula, que, a meio caminho entre a poesia e a prosa, revolve, com ímpeto, o mal-estar contemporâneo.


Maira não é uma poeta inexperiente. Há muito tempo seus textos circulam em revistas literárias e em blogs. Se seu livro não chega a apontar com clareza uma direção, deixa, ainda assim, cara a cara com a impotência, ou pelo menos a insuficiência, a que a palavra, hoje, parece condenada. É um livro forte, ainda que opaco. Um livro de transição, escrito quando ainda não se pode prever o futuro.


Os outros três lançamentos, Mãos de cavalo, de Daniel Galera; O paraíso é bem bacana, de André Sant'Anna, e Contos de Pedro, de Rubens Figueiredo, todos pela Companhia das Letras, livros maduros, projetam, com mais nitidez, a imagem de um futuro conservador. Não se pode negar a firmeza, a limpidez com que narram suas histórias. Ainda assim, os três se apegam às memórias simuladas, aos rumores da juventude e, sobretudo, a uma visão cautelosa do ofício literário. Dão a impressão, incômoda, de que se pautam mais pela ideia de não falhar do que pela ideia de avançar.


Que futuro anunciam? Galera, aos 26 anos de idade; Sant'Anna, aos 41, e Figueiredo, aos 50, filhos de três gerações distintas, já são conhecidos dos leitores mais atentos. O caçula Galera apareceu nas páginas da internet e nas confissões prolixas (e mentirosas) dos blogs. Pertence a um grupo que retoma, por vias oblíquas, a influência beat, a literatura aventureira e, ainda, o fervor no cotidiano, tal qual nos anos 1970. Seu romance, Mãos de cavalo, se faz por estilhaços, fiando histórias que se prendem com delicadeza e que tocam em sentimentos simples, como a culpa e a reparação.

Com O paraíso é bem bacana, André Sant'Anna também persegue o mundo das coisas não especiais. Só que, mais crítico do que Galera, nele trata de fisgar aquilo que torna comum um mundo comum - os clichês, os comportamentos previsíveis, os tiques psicológicos, as máscaras. Conta a história de Mané, que, confinado em um leito de hospital em Berlim, enche seu vazio com delírios sensuais e enxurradas de recordações. A matéria de Sant'Anna é, como sempre, a banalidade, a pobreza de espírito, a repetição, o atoleiro. Ele faz uma literatura que opta, radicalmente, pela superfície, disposta a esgotar - ou mesmo exorcizar - as mordaças mentais que nos limitam.


Mais refinado, e com mais equilíbrio, o mais velho deles, Rubens Figueiredo, pratica uma literatura que tende à contenção e ao refreamento. Seu Contos de Pedro traz uma série de histórias vividas por uma série de Pedros, que, por vias distintas, cavam seu lugar no mundo. Figueiredo investe na tendência antiga ao retrato interior, que, provavelmente, espelho nobre, já não sustenta o mundo estilhaçado de hoje. Sua busca esbarra, quase sempre, nos limites de sua maneira de buscar - como um pintor que, desejando retratar um outro, terminasse por pintar sempre a si. Nem a leveza, ainda que juvenil, de Mãos de cavalo, nem a mordacidade de O paraíso é bem bacana, menos ainda o atordoamento de Não feche seus olhos esta noite a literatura vista como um ofício persistente e meticuloso, a ser praticado com afinco e discrição.

Já o livro de Maira Parula é mais tenso, e mais insatisfeito com as chances da literatura. Não que resolva alguma coisa, não que consiga, de fato, perfurar a grande zoeira, o uníssono infernal que imobiliza nosso presente. Mas, se falha, esgarça seus limites, dá a ver o quanto a palavra anda (mesmo na literatura) fraquejando. Maira não se contenta em praticar um só gênero, daí a dificuldade para classificar o que faz. Poesia? Romance? Prosa poética? Confissão disfarçada de ficção? Seja o que for, seu livro circula pelas fronteiras possíveis do literário, e com isso fustiga nossa imensa dificuldade, hoje, para nomear as coisas. É uma literatura de dúvida e de inquirição. Em vez de se fixar em nosso horroroso mundo de rótulos e clones, como faz André Sant'Anna, sua narradora - que transita por nomes e sexos, e que talvez nem seja uma pessoa só - patina sobre o grande vazio, a grande opacidade do novo século. Lemos, lemos, e quanto mais avançamos, menos sabemos o que lemos.


São quatro possibilidades -- o mapeamento sereno, a repetição brutal, a introspecção cautelosa e o atordoamento --, quatro tentativas de fazer a literatura avançar. Mas que literatura é esta? É muito perigoso esboçar painéis para uma paisagem em que, a rigor, domina a indefinição. Pode-se rascunhar tendências, arriscar o alinhamento de alguns escritores a certas forças sempre imprecisas, e não muito mais. E, ainda assim, sabendo que esse esforço, no fim, será só uma maneira de oferecer um ponto de partida, uma base frágil a partir da qual as leituras, sempre livres e surpreendentes, devem se fazer.




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Momentos

Adelaide Amorim
para o jornal digital Primeira Fonte


“Entre o susto e a coragem”, como diz José Castello no texto de apresentação, cada página desse livro empurra o leitor e o espicaça para a página seguinte. Descontínuo e inusitado, cada texto desperta uma curiosidade nova. É preciso saber onde vai dar aquilo. Logo porém se percebe que cada item é um beco. No máximo pode se aventar a hipótese de que se comuniquem subterraneamente, como subterrâneo parece ser o rumor da iminência que sustenta os textos sem os detonar.

Posto esse primeiro resultado da leitura, é preciso levar em conta que todo primeiro resultado é provisório e generalizante. E é impossível nivelar os textos de Não feche seus olhos esta noite sem cometer uma tremenda injustiça. Não estou pensando em diferenças de qualidade que destaquem uns ou outros, mas na particularidade que se inscreve em cada um deles.

Há que voltar sobre os calcanhares e olhar de novo, sem se deixar levar pela novidade. Maira domina a escrita e tira dela o melhor partido para seus objetivos, entre os quais o de expor seu desconcerto diante do mundo e das pessoas. Cria para isso um clima às vezes um tanto delirante, às vezes assustador, onde o leitor se sente à vontade para reconhecer e saudar, quem sabe, suas próprias obsessões com um sorriso autoindulgente. Mas o cheiro de universalidade, que se acentua em certas passagens, deixa entrever alguma instância obscura, como o próprio inconsciente.

Castello diz, a certa altura, que o texto de Maira “nem poesia é”. Mas na retomada de suas páginas, percebe-se que uma poesia meio nocauteada, suja e perplexa, mas nem por isso derrotada, vem à tona de vez em quando. Não necessariamente nos textos dispostos em versos, um lirismo de olho roxo manifesta sua presença e se confirma aqui e ali com menos ou mais intensidade. Na página 9, logo após a epígrafe, num texto versificado, grita uma angústia intensa que explode em silencioso desespero, pondo em cena a Magnum que pontua outros momentos do livro. A 97 abre com um poema à la Artaud, a 99 traz o que talvez seja o texto em versos mais lírico entre todos, com um jeitinho de Sylvia Plath. Na 165, um poeminha expressionista com pedigree.

Há textos de nonsense e pitadas de besteirol; contos com pé e cabeça, um humor gostoso de ler, trechos que parecem depoimentos dados num divã de analista. Há também sinais de erudição tratados com elegante displicência; sintomas de síndrome do pânico e um poema florido de Cesário Verde.

Uma coisa é certa: Maira Parula não dá pra ler início meio e fim. É tudo ou nada.

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Impressões sobre o livro 




Uma leitura impressionista.

Se você é do tipo que faz um plano e o segue meticulosamente até sua consecução, será ótimo poder ver algumas fotos do seu planeta. Aproveite a viagem para conhecer um pouco do nosso.

Não me interprete mal. Não é que as coisas aqui não funcionem. Elas funcionam muito bem. Para tudo há um começo, um meio e um fim (nesta ordem), mas há novos começos antes de outros meios e vários fins concomitantes com outros começos, meios e fins. Tudo acontece um pouco assim, de surpresa. 

Nós fazemos planos e os seguimos. Alguns não funcionam. Nós os chamamos de sonhos. Um bom exemplo de um plano que vai muito bem é que estamos conseguindo consumir completamente o planeta enquanto nos devoramos mutuamente (eu disse que é um bom exemplo de plano, um caso de sucesso como plano que está sendo seguido à risca e que tudo indica que será bem-sucedido; admito, porém, que pode haver alguma discussão a respeito de eventualmente este não ser um plano muito bom).

Se a sua viagem for longa como a nossa, é possível que você, meu caro ET, precise se distrair um pouco. Uma boa companhia de viagem pode ser a leitura do livro de Maira Parula.

A prosa de Maira é bem articulada, interessante, intrigante e instigante, perpassada por um senso de humor irresistível (se bem que, nesse caso específico, provavelmente será mais bem apreciado se você for mesmo um ser de outro planeta; no nosso caso, vale uma antiga piada: dói quando eu rio). É possível ler os textos de forma independente, mas há um nexo. É que Maira parece ter uma ansiedade bem dirigida, um sentimento de urgência. É como numa viagem muito longa: sempre chega um momento em que mesmo as paisagens mais extraordinárias ou as paradas mais interessantes não conseguem nos distrair do fato de que queremos que tudo aquilo acabe, que todas aquelas partidas, estradas, paradas e novas partidas cheguem a um fim... Afinal.

A poesia, que Maira quer clara, simples e bem articulada, funciona como oásis serenos em meio a uma tempestade no deserto, ou ilhas paradisíacas entrevistas em meio a uma tormenta. O mais provável é que sejam miragens.

Enquanto escrevia estas impressões, Maira escreveu no seu blog (30/06/08): “Mário Quintana deu a melhor explicação de literatura: 'A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira...' Escrever é a arte de sentar numa cadeira, já disseram.” Eu não tenho os dados, mas, ao que tudo indica, os habitantes do nosso planeta preferiram fechar os olhos, não só naquela noite, mas em todos os dias e em todas as noites que se seguiram ao lançamento do livro.

É uma pena. Manter os olhos bem abertos e ler o livro de Maira seria uma excelente alternativa. Até porque não importa muito se as coisas não dão certo sempre. E o riso pode ser ótimo nos casos em que é importante não parar de respirar.

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Dioniso: Skoob, 2013

Abra seus olhos, agora!


Eu li este livro em um dia. Não entendi nada do que ele quis dizer. Minha alma caminhou pelas páginas como um fantasma. Me identifiquei com diversas partes do texto e, em outras, apenas ri ou chorei. Não existe sequência lógica dos fatos acontecendo no livro. É como um livro de poesias, sem tema exclusivo, só que em prosa. Me apaixonei por Maira Parula ainda na primeira folha, pelo seu modo de escrever. Existe mais de um eu lírico no livro, como eu bem percebi. Por exemplo, na primeira parte, o escritor não usa letras maiúsculas, fazendo com que caminhemos sempre no mesmo ritmo. Depois, ela as usa normalmente, ou inventa mais algum recurso estético. São crônicas cotidianas, e nada mais.


Caso haja interesse em fazer conexões entre os diversos personagens que escrevem o livro, imagine o seguinte: uma pessoa internada em um hospital psiquiátrico, com esquizofrenia e transtorno de personalidade múltipla e uma pitada de personalidade antissocial. Para mim, este recurso funcionou bem até demais.

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Resenha de Kinha Fonteneles para a Woo! Magazine

julho de 2017


Quando nós da Woo! Magazine escolhemos um livro para uma resenha, sabemos que ele tem que ser empolgante o suficiente para que nossos leitores sintam – quase – a mesma sensação que nós sentimos ao lê-lo. E que se ele veio parar no Bookland, é porque realmente precisávamos compartilhar isso com todos vocês. Acreditamos que ler é um ato único (sim!), mas que deve ser passado adiante como uma corrente do bem. E o que é bom precisa ser mostrado.

Foi o que aconteceu quando fechamos a última página de Não feche seus olhos esta noite, de Maira Parula. De repente nos vimos envoltos em uma trama de muitas vozes, jeitos e pessoas. Não é um livro que mereça permanecer fechado em uma estante ou prateleira empoeirada. Ele precisa ser gritado ao mundo. E nós estamos (aqui) gritando.

A começar pela não linearidade das histórias. Porque são muitas. Mas não sabemos se o classificaríamos como um livro de contos ou poesias. Achamos, na verdade, que ele é inclassificável; como muito bem foi dito por José Castelo: “Seu livro é ‘trans’ – o que combina com nosso efêmero, de transgênicos, de transnacionais, de transexuais. Um livro em trânsito, a meio caminho entre o susto e a coragem. ”

Quando terminamos de ler, o primeiro sentimento foi de: “Ok! O que foi isso?”. E precisamos de cinco minutos de silêncio para tentar entender o turbilhão pelo qual estávamos passando. Posto isso, nada melhor do que ir adiante, nada melhor do que escrever, escrever, escrever… até desafogar.

É isso que Maira faz ao dar voz a personagens sem nomes. Ela desafoga e ao mesmo tempo nos afoga em um misto de sentimentos. São inúmeros – e aqui chamaremos de relatos –, que dissertam sobre loucura, insensatez, incertezas, amores perdidos – ou achados –, despedidas, tempo…

A maioria dos personagens é feminina, mas há momentos em que o gênero de quem escreve fica no ar. O que faz com que o leitor seja compelido a usar sua imaginação ao tentar saber quem está falando. Não que isso seja um problema. Não… não o é. Mas como estamos muito (mal) acostumados a ter personagens sempre muito certinhos, sejam eles de que gênero forem; quando pegamos uma obra, cujo objetivo é te fazer pensar fora da caixinha, às vezes damos um nó no pensamento.

É um livro para quem deseja ousar. E que talvez cause certo estranhamento em determinados momentos. Passaria fácil por aqueles “Minutos de Sabedoria”, onde você abre uma página a esmo e lê o que o Universo tem para lhe contar. Só que nesse caso, o Universo em questão chega com uma acidez altiva daqueles que sabem o que querem dizer, mas preferem que você chegue à conclusão com suas próprias pernas.

Aliás, se precisássemos defini-lo com uma só palavra, “ácido” seria a da vez. Frases como “Antes de adormecer puxo o gatilho” (p.163) ou, “Minha alma deu para me perseguir” (p.13) são o que o leitor irá encontrar, por exemplo. E ele precisa, desde um primeiro momento, estar disposto a dar uma chance a esse tipo de leitura.

Sem contar que, estruturalmente, há algo de Saramago nele. Ora a pontuação aparece bem estruturada, ora vírgulas fazem a vez de travessões ou sequer existem. Frases não se iniciam com letra maiúscula. Histórias, muito menos. A propósito, algumas são tão curtas que chegam a ter apenas três linhas. E a divisão entre elas fica clara a cada página totalmente em branco que passamos.

Acontece também, vez ou outra, um texto começar como poesia e terminar como prosa. O que reafirma o comentário de Castello, quando diz que essa é uma obra trans. E talvez, o único personagem fixo de toda narrativa seja um editor, que recebe as mensagens de um escritor sem nome. [Mas isso, claro, fica no ar. E terminamos a leitura sem saber.].

Algumas passagens mais “revoltadas” também nos são passadas quando o tema entra no quesito Literatura. Parece que toda vez que um personagem começa a falar de tal assunto, o clima acaba fechando – não que estivesse o tempo todo aberto – mas há certa amargura, como se só histórias tristes fizessem bons escritores.

Em suma, Não feche seus olhos esta noite não é o livro dessa quarta. Não feche seus olhos esta noite é o apelo. E nós, que como sempre gostamos de compartilhar todos os sentimentos possíveis com vocês, passamos então a bola dos cinco reflexivos minutos de silêncio.

“Há certas coisas que não adianta querer explicar quando as noites são longas demais.” (p.30)


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Hugo Lima

dezembro de 2021


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